Terminada a guerra e anos
depois tive alguma curiosidade em saber mais sobre a história de Angola e
comecei a folhear, um familiar que faz investigação histórica, tem lá tudo na
biblioteca, desde os Boletins da Sociedade de Geografia de Lisboa, (Encadernados
e desde o nº 1) às principais revistas dos finais do séc. XIX, entre elas O
Occidente, que praticamente nasceu com o inicio da exploração científica de
África, para acompanhar Serpa Pinto e outros, entre eles o Major Henrique de
Carvalho.
Há coisas interessantes de uma altura em que Angola tinha metade do
tamanho. Esquecendo por agora a questão do Mapa-cor-de-Rosa e o ultimato, em
1890 a Lunda não fazia parte de Angola, aí reinava um senhor muito poderoso, o
Muati Yuanva.
Portugueses, Belgas, Ingleses e Alemães tentavam chegar às boas
graças, nada!
Foi o Major Henrique de Carvalho que com 6 soldados da guarnição
de Luanda "conquistou" a Lunda...a Outra metade que faltava, foi
conquistada pelo Capitão Trigo Teixeira, este pediu 200 soldados...deram-lhe
uma guarnição de 120 presos do depósito de Luanda...e montou 4 fortes, no
Moxico, na Cameia em NanaCandungo e perto da Lumbala.
Quem andou por lá saberá
dar valor à tarefa deste Capitão. Em ambos os casos não fosse a boa aceitação
dos povos e nunca teria acontecido.
Mas esta introdução é para informar que de
momento podem aceder a mais informação e às fotografias da expedição de
Henrique de Carvalho na Biblioteca Nacional de Lisboa em http://purl.pt/23746/1/
Em 1886, os portugueses
ambicionaram um largo império africano, fazia parte do Mapa-cor-de-rosa, mas
Lunda não fazia parte.
Isto nada tem a ver com os aviões de Henrique de
Carvalho, mas faz parte da história de uma terra onde muitos de nós estivemos,
tenho por aí alguns apontamentos. Foi a época das grandes explorações em parte
motivadas pela necessidade de marcar presença, conceito que vinha da
Conferencia de Berlim.
Não sou historiador, por isso as minhas exposições serão
mais resumidas e simples. Se alguém pretender um estudo mais profundo, que me
comunique, posso dar-lhe acesso ás fontes.
Comecemos o relato pelo fim,
por esta gravura da época publicada na revista O Occidente, após a visita de
Henrique de Carvalho, o Muatiuânvua manda o seu próprio filho a Luanda a firmar
acordo de amizade com Portugal, com instruções para que se necessário fosse
atravessar o Grande Mar até ao Muene Puto.
Gravura de O Occidente. (No Centro
de Estudos Nazareno) A Legenda foi acrescentada por mim.
Parte
do texto que acompanha a gravura no O Occidente.
De momento pretendo por agora apenas falar de Henrique de Carvalho e um pouco da história da Lunda. A Lunda não foi conquistada pelos portugueses, a Lunda aderiu a Portugal e aí teve um papel fundamental, o Major Henrique de Carvalho, que se fez velho por lá e publicou numerosos artigos sobre a Lunda, criou um dicionário MLunda-Português, artigos publicados nas revistas da época, O Occidente, A Illustração Portuguesa e principalmente os boletins da Sociedade de Geografia de Lisboa. A áfrica estava em branco...
Em 1884/85 na conferência de Berlim os alemães pretendiam expandir os
seus domínios em África, até aí e tendo acordado tarde ficaram onde mais
ninguém estava interessado: No Sudoeste africano e Tanzânia. Saíram daí algumas
divisões, Foi delimitado o Estado Independente do Congo, propriedade pessoal do
rei da Bélgica e Angola começa a ser delineada. Os portugueses que se julgavam
donos de África por direito de ocupação histórica, viram-se confrontados com
novas regras, os estados apenas podiam reivindicar os territórios, que
efectivamente ocupavam e onde tinham influência
Daí a corrida aos
exploradores, que partiam a desenhar mapas e a estudar os territórios do
interior. Capelo e Ivens passaram pela Lunda e foram os primeiros a descobrir o
cobre no Katanga. Mapa de O Occidente.
Havia que ocupar a Lunda,
para quê? Ainda não tinham sido descobertos os diamantes, o que só veio a
acontecer em 1917. Mas chegavam a Benguela/Catumbela a grande riqueza da
altura, a Borracha. In O Occidente.
Para atingir as terras da
borracha estudava-se o prolongamento dos caminhos de ferro de Luanda e
Benguela. Curioso como numa foto mais tardia o Muatiuânvia tem à sua frente
dois rolos de borracha.
Façamos um pequeno intervalo
antes de voltar à Lunda, os sobas da região já estavam habituados a negociar
com os portugueses, razão porque viram com bons olhos a presença destes. Afinal
se antes ganhavam dinheiro com o comercio de escravos, agora havia o marfim e a
borracha. In Boletim Geral das Colonias.
Só assim se compreende a viagem do Capitão Trigo Teixeira, conforme
descrita em Cadernos Coloniais, cuja capa foi reproduzida no inicio desta
crónica. O resumo dá bem nota da dificuldade que teve de enfrentar. In A
Ocupação do Moxico, pelo Capitão Trigo Teixeira. Cadernos Coloniais, In Centro
de Estudos Nazarenos
O grande potentado da Lunda
cobiçado por portugueses, belgas, ingleses e alemães, definhava entretanto.
Segundo relato de Maria Archer in Sertanejos, Cadernos Coloniais. A colecção
Cadernos Coloniais e outros pode ser digitalmente consultada em
http://memoria-africa.ua.pt/ , não percebo porque não o livro sobre Trigo
Teixeira, já que o exemplar foi cedido para o efeito pelo Centro de Estudos
Nazarenos...
O texto anterior de 1890
evidencia a necessidade que este povos interiores tinham do contacto com os
portugueses elementos de ligação para o comercio. A falta de pólvora, as lutas
internas e a recém invasão dos quicos, levaram à decadência de um império.
Os
Quiocos avançavam, mercê do seu temperamento, mas também de melhor armamento,
foram os quiocos os introdutores da Idade do Ferro no Leste de Angola, dispondo
de flechas com pontas em ferro e armas brancas de ferro foram suplementando os
povos Lunda. Esta invasão quioca que se prolongou em cunha para o sul, viria a
ser aproveitada mais tarde na luta anti guerrilha, seduzindo os quicos para a
luta anti guerrilha, com a criação dos grupos GE (Grupos Especiais).
Os quicos numa descrição de
Maria Archer. De que servia haver muita borracha e marfim se não havia a quem a
vender?
Neste mapa mostra-se a
localização das plantas de borracha, com predominância na Luna e Moxico.
Perguntar-me-ão: Borracha em
Angola? Sim no virar do sec.XIX/XX era das grandes riquezas de Angola, em 1905
Angola exportou 50 000 toneladas de Borracha. Depois com a difusão da hevea
brasiliensis e os seringueiros entrou em decadência. A borracha era extraída da
raiz da Landolphia, planta com as folhas parecidas com as do salgueiro como a
descreveu Trigo Teixeira.
O texto abaixo descreve um
pouco o ambiente que levou o Major Henrique de Carvalho até à mussuma (sede do
poder) do Muatiuânvia.Texto da revista O Occidente.
Eis o jovem Major Henrique de Carvalho, publicada na Revista Ilustrada, nº 13 pag. 150.
A expedição ao Muatiuânvia
teve naturalmente muitos preparativos, descritos nos Boletins da Sociedade de
Geografia de Lisboa e nas revistas da época, algumas criadas para acompanhar
estas viagens de exploração, como O Occidente ou Illustração Portuguesa, seria
fastidioso no âmbito deste site descrições extensas. Fiquemos pelas imagens,
Henrique de Carvalho chega ao Lui com 6 soldados para conquistar a Lunda...
E se chegou a acordo de
soberania com o maior potentado centro africano, cujo império vinha do sec.
XVI. Para quem quiser mais, há um álbum fotográfico desta expedição e uma cópia
digitalizada na Biblioteca Nacional de Lisboa, na introdução deste relato foi
aposto o link.
Estavam consolidados os
interesses sobre a borracha...só em 1917 foram descobertos diamantes.
Até por imposição da
Conferencia de Berlim houve ocupação militar, mas a Lunda e o Moxico, metade de
Angola foram ocupados pacificamente. Isto para nós que andámos por lá com arma
na mão é significativo.
Camelos carregaram armamento para a Lunda! Camelos na
Lunda? Camelos em Angola? Sim! Foram importados pelo CFB (Caminho de Ferro de
Benguela) para serviço de transporte na área seca que se segue ao planalto de
Benguela a caminho do Huambo. Chegou a haver camelos abandonados no deserto de Moçâmedes, vinham beber água à Lucira, quem me contou isto foi uma angolana que
me disse que em pequenina corria atrás de pinguins na praia...Pinguins em
Angola? Sim os pinguins são do pólo sul, vinham na Corrente Fria de Benguela.
Esta expedição permitiu
reclamar a Lunda para Portugal na Conferência de Berlim.
Posso estar a
entusiasmar alguns para o estudo da história Saurimo ou Henrique de Carvalho,
mas não tenho o rigor do historiador, estou no entanto disponível para
colaborar com as fontes.
Por enquanto limito-me a usar apontamentos que tomei
para mim próprio por uma questão pessoal de como foi ocupado o Leste de Angola.
Neste caso e nas 2 figuras seguintes recorro a um livro belga existente no
Centro de Estudos Nazarenos, 6 salas com 7000 livros de história e arte e as
principais revistas de finais dos sec. XIX/XX, com bar aberto 24 horas por
cima...
Nesta altura Portugal como
país competia com a propriedade pessoal do rei da Bélgica, o Congo...enfim as
fronteiras foram sendo limadas, primeiro para Convenção de 25 de Maio de 1891.
E
Novamente em 1910.
Toda a questão foi polémica
e muito negociada, em resumo, os belgas, ou melhor o Rei da Bélgica achava que
a Lunda devia pertencer à "Associação International Africana" pelo simples
facto de a Lunda fazer parte da bacia hidrográfica do Congo. Portugal competia
assim com a "quinta" ou "Associação International..."
propriedade pessoal do rei da Bélgica em África.
Em total contradição com o
que tinha sido acordado na conferência de Berlim em 1885.
Reproduzido no mapa abaixo.
Aproveito o mapa para chamar a atenção para o esboço de uma maior Angola, agora
acrescida com a Lunda e o Moxico. Este reconhecimento só foi possível graças ao
trabalho científico de Capelo e Ivens, Serpa Pinto e Henrique de Carvalho. Eu
ressalvaria a palavra CIENTÍFICO, porque não se limitaram a viajar, por onde
passaram desenhavam mapas, estudavam os povos, o clima a fauna e a flora,
adiante veremos...
A sul os ingleses diziam que
o Moxico já fazia parte da Bacia do Zambeze portanto era deles. Valeu-nos a
intervenção do Capitão Trigo Teixeira que com 120 presos "ocupou" o
Moxico.
No ocidente havia a zona de
comercio livre do Congo, uma zona onde todos podiam fazer negócios.
Para leste havia um parvalhão
que dizia que era tudo dele, Cecil Rodes, pretendia fazer uma linha de caminho
de ferro do Cabo ao Egipto, não fez, nem deixou fazer...apenas para cortar o
mapa-côr-de-rosa a meio...mais depressa chegaram os portugueses com o CFB à
fronteira do Zaire no rio Luau...depois foram de Taxi até ao Katanga...
De Táxi? Sim de Táxi, pois se não havia comboio, apanhava-se um táxi !
Era dia de festa, a festa da
Mucanda, ou a festa da iniciação dos rapazes após a circuncisão, isto passou-se
no Bairro Benfica no antigo Luso em 1971, mais ou menos 75 anos após Henrique
de Carvalho e Trigo Teixeira terem anexado a Lunda e o Moxico a Angola. 75
anos, o espaço de três gerações.
Na imagem MLundas, Quiocos,
Luenas e outros que outrora foram inimigos, festejam juntos, ligam-nos agora
dois fatores, pertencem a um novo conceito de nação, muito diferente do
conceito tribal em que nasceram os seus avós, a língua portuguesa é agora
elemento aglutinador.
Perguntaria portanto aos
cidadãos angolanos, Henrique de Carvalho, Capelo e Ivens, Serpa Pinto, Trigo
Teixeira, que expandiram Angola para a dimensão que tem hoje e o fizeram de
forma pacífica, devem ser considerados “colonizadores” ou arquitecto de uma
nova nação? Afinal foram eles que levaram Angola à dimensão que tem hoje.
Claro que houve conflitos,
claro que houve situações menos dignas, acrescentaria, de parte a parte, mas
estes homens, portugueses sim, mas que no fundo amaram angola, merecem ou não
hoje o reconhecimento dos angolanos? Leia-se o que atrás está escrito, a resposta
a esta questão é ela própria uma questão para todos aqueles que neste site
conviveram com o nome de HENRIQUE DE CARVALHO.
Nós portugueses, pelo menos
os da minha geração, mentalizados por dezenas anos de propaganda anti e pró,
passamos a dar mais crédito aos grandes heróis estrangeiros e a subvalorizar os
nossos, Marco Polo, mas não Mendes Pinto, Stanley o grande explorador do Congo,
mas não Henrique de Carvalho. Uma pedrada no charco...
E ficou a ver ao longe até onde
tinham chegado os marinheiros de D. João II.
Mas o tema da ocupação
portuguesa é vasto e cheio de surpresas pelo caminho. A História de Angola
passa por estas coisas. Motivou-me trazer aqui coisas simpáticas sobre Henrique
de Carvalho, nome que a alguns de nós todos nada dizia, se calhar agucei a
curiosidade a alguns. 25 páginas? Só o relato da viagem à Mussumba são 4
volumes com cerca de 4000 páginas, da história da Lunda, de Angola, seus
hábitos e costumes, com recolha de mapas, de animais e plantas, 4000 páginas
que podem ser consultadas na NET na Biblioteca Digital da Biblioteca Nacional
de Portugal.
Há outros livros do mesmo autor.
Enquanto apaixonado pela
gravura antiga, tive a felicidade de encontrar nesta obra belas gravuras, a
maioria desconhecidas fora deste contexto, Gravuras baseadas em desenhos de Ca
ou Enrique Casanova, o grande mestre da aguarela dos finais do séc. XiX, mestre
de pintura do Rei D. Luis e tendo igualmente um bom aluno em D. Carlos. As
gravuras eram geralmente assinadas no canto inferior direito pelo autor do
desenho (que se terá baseado em fotos de Henrique de Carvalho) e neste caso por
Pedrozo um dos melhores gravadores da época e autor de numerosas gravuras
incertas nestes livros.
Igualmente aparecem gravuras
assinadas por Cazelas, talvez o melhor gravador da época. Toda a viagem está
documentada por dezenas de gravuras, cada uma mais interessante que a outra.
Mas também obras em
litografia de Casanova, os pássaros claro, tema que o seu aluno D. Carlos de
Bragança desenvolveu em Aves de Portugal, dois volumes e um anexo
extraordinários.
Um trabalho de Armando Monteiro
Valeu a pena a leitura, uma hora não perdida, interessantíssimo para quem tem curiosidade de aprender como se construíram as raízes dos territórios que foram as colónias portuguesas em África. Parabéns a Armando Monteiro pelo empenho, paciência e dedicação. Ele conseguiu enriquecer-nos com este belo trabalho. Pena não me ter cruzado com ele em Henrique de Carvalho porque lá estivemos na mesma altura (1971), eu como cabo meteorologista, ele como....? Aqui fica o meu abraço de agradecimento.
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