terça-feira, 27 de fevereiro de 2018

EXPLORAÇÃO DA LUNDA


Terminada a guerra e anos depois tive alguma curiosidade em saber mais sobre a história de Angola e comecei a folhear, um familiar que faz investigação histórica, tem lá tudo na biblioteca, desde os Boletins da Sociedade de Geografia de Lisboa, (Encadernados e desde o nº 1) às principais revistas dos finais do séc. XIX, entre elas O Occidente, que praticamente nasceu com o inicio da exploração científica de África, para acompanhar Serpa Pinto e outros, entre eles o Major Henrique de Carvalho. 
Há coisas interessantes de uma altura em que Angola tinha metade do tamanho. Esquecendo por agora a questão do Mapa-cor-de-Rosa e o ultimato, em 1890 a Lunda não fazia parte de Angola, aí reinava um senhor muito poderoso, o Muati Yuanva. 
Portugueses, Belgas, Ingleses e Alemães tentavam chegar às boas graças, nada! 
Foi o Major Henrique de Carvalho que com 6 soldados da guarnição de Luanda "conquistou" a Lunda...a Outra metade que faltava, foi conquistada pelo Capitão Trigo Teixeira, este pediu 200 soldados...deram-lhe uma guarnição de 120 presos do depósito de Luanda...e montou 4 fortes, no Moxico, na Cameia em NanaCandungo e perto da Lumbala. 
Quem andou por lá saberá dar valor à tarefa deste Capitão. Em ambos os casos não fosse a boa aceitação dos povos e nunca teria acontecido. 
Mas esta introdução é para informar que de momento podem aceder a mais informação e às fotografias da expedição de Henrique de Carvalho na Biblioteca Nacional de Lisboa em http://purl.pt/23746/1/

Em 1886, os portugueses ambicionaram um largo império africano, fazia parte do Mapa-cor-de-rosa, mas Lunda não fazia parte. 
Isto nada tem a ver com os aviões de Henrique de Carvalho, mas faz parte da história de uma terra onde muitos de nós estivemos, tenho por aí alguns apontamentos. Foi a época das grandes explorações em parte motivadas pela necessidade de marcar presença, conceito que vinha da Conferencia de Berlim. 
Não sou historiador, por isso as minhas exposições serão mais resumidas e simples. Se alguém pretender um estudo mais profundo, que me comunique, posso dar-lhe acesso ás fontes.
Comecemos o relato pelo fim, por esta gravura da época publicada na revista O Occidente, após a visita de Henrique de Carvalho, o Muatiuânvua manda o seu próprio filho a Luanda a firmar acordo de amizade com Portugal, com instruções para que se necessário fosse atravessar o Grande Mar até ao Muene Puto. 
Gravura de O Occidente. (No Centro de Estudos Nazareno) A Legenda foi acrescentada por mim.
Parte do texto que acompanha a gravura no O Occidente.

De momento pretendo por agora apenas falar de Henrique de Carvalho e um pouco da história da Lunda. A Lunda não foi conquistada pelos portugueses, a Lunda aderiu a Portugal e aí teve um papel fundamental, o Major Henrique de Carvalho, que se fez velho por lá e publicou numerosos artigos sobre a Lunda, criou um dicionário MLunda-Português, artigos publicados nas revistas da época, O Occidente, A Illustração Portuguesa e principalmente os boletins da Sociedade de Geografia de Lisboa. A áfrica estava em branco...
Em 1884/85 na conferência de Berlim os alemães pretendiam expandir os seus domínios em África, até aí e tendo acordado tarde ficaram onde mais ninguém estava interessado: No Sudoeste africano e Tanzânia. Saíram daí algumas divisões, Foi delimitado o Estado Independente do Congo, propriedade pessoal do rei da Bélgica e Angola começa a ser delineada. Os portugueses que se julgavam donos de África por direito de ocupação histórica, viram-se confrontados com novas regras, os estados apenas podiam reivindicar os territórios, que efectivamente ocupavam e onde tinham influência
Daí a corrida aos exploradores, que partiam a desenhar mapas e a estudar os territórios do interior. Capelo e Ivens passaram pela Lunda e foram os primeiros a descobrir o cobre no Katanga. Mapa de O Occidente.

Havia que ocupar a Lunda, para quê? Ainda não tinham sido descobertos os diamantes, o que só veio a acontecer em 1917. Mas chegavam a Benguela/Catumbela a grande riqueza da altura, a Borracha. In O Occidente.

Para atingir as terras da borracha estudava-se o prolongamento dos caminhos de ferro de Luanda e Benguela. Curioso como numa foto mais tardia o Muatiuânvia tem à sua frente dois rolos de borracha.
Façamos um pequeno intervalo antes de voltar à Lunda, os sobas da região já estavam habituados a negociar com os portugueses, razão porque viram com bons olhos a presença destes. Afinal se antes ganhavam dinheiro com o comercio de escravos, agora havia o marfim e a borracha. In Boletim Geral das Colonias.

Só assim se compreende a viagem do Capitão Trigo Teixeira, conforme descrita em Cadernos Coloniais, cuja capa foi reproduzida no inicio desta crónica. O resumo dá bem nota da dificuldade que teve de enfrentar. In A Ocupação do Moxico, pelo Capitão Trigo Teixeira. Cadernos Coloniais, In Centro de Estudos Nazarenos

O grande potentado da Lunda cobiçado por portugueses, belgas, ingleses e alemães, definhava entretanto. Segundo relato de Maria Archer in Sertanejos, Cadernos Coloniais. A colecção Cadernos Coloniais e outros pode ser digitalmente consultada em http://memoria-africa.ua.pt/ , não percebo porque não o livro sobre Trigo Teixeira, já que o exemplar foi cedido para o efeito pelo Centro de Estudos Nazarenos...

O texto anterior de 1890 evidencia a necessidade que este povos interiores tinham do contacto com os portugueses elementos de ligação para o comercio. A falta de pólvora, as lutas internas e a recém invasão dos quicos, levaram à decadência de um império. 
Os Quiocos avançavam, mercê do seu temperamento, mas também de melhor armamento, foram os quiocos os introdutores da Idade do Ferro no Leste de Angola, dispondo de flechas com pontas em ferro e armas brancas de ferro foram suplementando os povos Lunda. Esta invasão quioca que se prolongou em cunha para o sul, viria a ser aproveitada mais tarde na luta anti guerrilha, seduzindo os quicos para a luta anti guerrilha, com a criação dos grupos GE (Grupos Especiais).

Os quicos numa descrição de Maria Archer. De que servia haver muita borracha e marfim se não havia a quem a vender?

Neste mapa mostra-se a localização das plantas de borracha, com predominância na Luna e Moxico.

Perguntar-me-ão: Borracha em Angola? Sim no virar do sec.XIX/XX era das grandes riquezas de Angola, em 1905 Angola exportou 50 000 toneladas de Borracha. Depois com a difusão da hevea brasiliensis e os seringueiros entrou em decadência. A borracha era extraída da raiz da Landolphia, planta com as folhas parecidas com as do salgueiro como a descreveu Trigo Teixeira.
O texto abaixo descreve um pouco o ambiente que levou o Major Henrique de Carvalho até à mussuma (sede do poder) do Muatiuânvia.Texto da revista O Occidente.

Eis o jovem Major Henrique de Carvalho, publicada na Revista Ilustrada, nº 13 pag. 150.

A expedição ao Muatiuânvia teve naturalmente muitos preparativos, descritos nos Boletins da Sociedade de Geografia de Lisboa e nas revistas da época, algumas criadas para acompanhar estas viagens de exploração, como O Occidente ou Illustração Portuguesa, seria fastidioso no âmbito deste site descrições extensas. Fiquemos pelas imagens, Henrique de Carvalho chega ao Lui com 6 soldados para conquistar a Lunda...

E se chegou a acordo de soberania com o maior potentado centro africano, cujo império vinha do sec. XVI. Para quem quiser mais, há um álbum fotográfico desta expedição e uma cópia digitalizada na Biblioteca Nacional de Lisboa, na introdução deste relato foi aposto o link.
Estavam consolidados os interesses sobre a borracha...só em 1917 foram descobertos diamantes.

Até por imposição da Conferencia de Berlim houve ocupação militar, mas a Lunda e o Moxico, metade de Angola foram ocupados pacificamente. Isto para nós que andámos por lá com arma na mão é significativo. 
Camelos carregaram armamento para a Lunda! Camelos na Lunda? Camelos em Angola? Sim! Foram importados pelo CFB (Caminho de Ferro de Benguela) para serviço de transporte na área seca que se segue ao planalto de Benguela a caminho do Huambo. Chegou a haver camelos abandonados no deserto de Moçâmedes, vinham beber água à Lucira, quem me contou isto foi uma angolana que me disse que em pequenina corria atrás de pinguins na praia...Pinguins em Angola? Sim os pinguins são do pólo sul, vinham na Corrente Fria de Benguela.

Esta expedição permitiu reclamar a Lunda para Portugal na Conferência de Berlim. 
Posso estar a entusiasmar alguns para o estudo da história Saurimo ou Henrique de Carvalho, mas não tenho o rigor do historiador, estou no entanto disponível para colaborar com as fontes. 
Por enquanto limito-me a usar apontamentos que tomei para mim próprio por uma questão pessoal de como foi ocupado o Leste de Angola. Neste caso e nas 2 figuras seguintes recorro a um livro belga existente no Centro de Estudos Nazarenos, 6 salas com 7000 livros de história e arte e as principais revistas de finais dos sec. XIX/XX, com bar aberto 24 horas por cima...

Nesta altura Portugal como país competia com a propriedade pessoal do rei da Bélgica, o Congo...enfim as fronteiras foram sendo limadas, primeiro para Convenção de 25 de Maio de 1891.

E Novamente em 1910.

Toda a questão foi polémica e muito negociada, em resumo, os belgas, ou melhor o Rei da Bélgica achava que a Lunda devia pertencer à "Associação International Africana" pelo simples facto de a Lunda fazer parte da bacia hidrográfica do Congo. Portugal competia assim com a "quinta" ou "Associação International..." propriedade pessoal do rei da Bélgica em África.
Em total contradição com o que tinha sido acordado na conferência de Berlim em 1885.

Reproduzido no mapa abaixo. Aproveito o mapa para chamar a atenção para o esboço de uma maior Angola, agora acrescida com a Lunda e o Moxico. Este reconhecimento só foi possível graças ao trabalho científico de Capelo e Ivens, Serpa Pinto e Henrique de Carvalho. Eu ressalvaria a palavra CIENTÍFICO, porque não se limitaram a viajar, por onde passaram desenhavam mapas, estudavam os povos, o clima a fauna e a flora, adiante veremos...

A sul os ingleses diziam que o Moxico já fazia parte da Bacia do Zambeze portanto era deles. Valeu-nos a intervenção do Capitão Trigo Teixeira que com 120 presos "ocupou" o Moxico.

No ocidente havia a zona de comercio livre do Congo, uma zona onde todos podiam fazer negócios.

Para leste havia um parvalhão que dizia que era tudo dele, Cecil Rodes, pretendia fazer uma linha de caminho de ferro do Cabo ao Egipto, não fez, nem deixou fazer...apenas para cortar o mapa-côr-de-rosa a meio...mais depressa chegaram os portugueses com o CFB à fronteira do Zaire no rio Luau...depois foram de Taxi até ao Katanga...
De Táxi? Sim de Táxi, pois se não havia comboio, apanhava-se um táxi !

Era dia de festa, a festa da Mucanda, ou a festa da iniciação dos rapazes após a circuncisão, isto passou-se no Bairro Benfica no antigo Luso em 1971, mais ou menos 75 anos após Henrique de Carvalho e Trigo Teixeira terem anexado a Lunda e o Moxico a Angola. 75 anos, o espaço de três gerações.
Na imagem MLundas, Quiocos, Luenas e outros que outrora foram inimigos, festejam juntos, ligam-nos agora dois fatores, pertencem a um novo conceito de nação, muito diferente do conceito tribal em que nasceram os seus avós, a língua portuguesa é agora elemento aglutinador.
Perguntaria portanto aos cidadãos angolanos, Henrique de Carvalho, Capelo e Ivens, Serpa Pinto, Trigo Teixeira, que expandiram Angola para a dimensão que tem hoje e o fizeram de forma pacífica, devem ser considerados “colonizadores” ou arquitecto de uma nova nação? Afinal foram eles que levaram Angola à dimensão que tem hoje.
Claro que houve conflitos, claro que houve situações menos dignas, acrescentaria, de parte a parte, mas estes homens, portugueses sim, mas que no fundo amaram angola, merecem ou não hoje o reconhecimento dos angolanos? Leia-se o que atrás está escrito, a resposta a esta questão é ela própria uma questão para todos aqueles que neste site conviveram com o nome de HENRIQUE DE CARVALHO.
Nós portugueses, pelo menos os da minha geração, mentalizados por dezenas anos de propaganda anti e pró, passamos a dar mais crédito aos grandes heróis estrangeiros e a subvalorizar os nossos, Marco Polo, mas não Mendes Pinto, Stanley o grande explorador do Congo, mas não Henrique de Carvalho. Uma pedrada no charco...

E ficou a ver ao longe até onde tinham chegado os marinheiros de D. João II.

Mas o tema da ocupação portuguesa é vasto e cheio de surpresas pelo caminho. A História de Angola passa por estas coisas. Motivou-me trazer aqui coisas simpáticas sobre Henrique de Carvalho, nome que a alguns de nós todos nada dizia, se calhar agucei a curiosidade a alguns. 25 páginas? Só o relato da viagem à Mussumba são 4 volumes com cerca de 4000 páginas, da história da Lunda, de Angola, seus hábitos e costumes, com recolha de mapas, de animais e plantas, 4000 páginas que podem ser consultadas na NET na Biblioteca Digital da Biblioteca Nacional de Portugal. 
Há outros livros do mesmo autor.
Enquanto apaixonado pela gravura antiga, tive a felicidade de encontrar nesta obra belas gravuras, a maioria desconhecidas fora deste contexto, Gravuras baseadas em desenhos de Ca ou Enrique Casanova, o grande mestre da aguarela dos finais do séc. XiX, mestre de pintura do Rei D. Luis e tendo igualmente um bom aluno em D. Carlos. As gravuras eram geralmente assinadas no canto inferior direito pelo autor do desenho (que se terá baseado em fotos de Henrique de Carvalho) e neste caso por Pedrozo um dos melhores gravadores da época e autor de numerosas gravuras incertas nestes livros.

Igualmente aparecem gravuras assinadas por Cazelas, talvez o melhor gravador da época. Toda a viagem está documentada por dezenas de gravuras, cada uma mais interessante que a outra.

Mas também obras em litografia de Casanova, os pássaros claro, tema que o seu aluno D. Carlos de Bragança desenvolveu em Aves de Portugal, dois volumes e um anexo extraordinários.


Um trabalho de Armando Monteiro







1 comentário:

  1. Valeu a pena a leitura, uma hora não perdida, interessantíssimo para quem tem curiosidade de aprender como se construíram as raízes dos territórios que foram as colónias portuguesas em África. Parabéns a Armando Monteiro pelo empenho, paciência e dedicação. Ele conseguiu enriquecer-nos com este belo trabalho. Pena não me ter cruzado com ele em Henrique de Carvalho porque lá estivemos na mesma altura (1971), eu como cabo meteorologista, ele como....? Aqui fica o meu abraço de agradecimento.

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