1934 – VOO LISBOA A GOA
Na
tarde de 26 de Outubro de 1922, Lisboa inteira estava em festa!...
O que se estava a acontecer nesta Lisboa
de braços estendidos para o mar largo?
Uma hora única se levantava na sua
história de tantos séculos! Vinham chegando do Brasil, Gago Coutinho e Sacadura
Cabral. A cidade não estava em si, delirava, delírio que vinha já de há meses,
agora, mais excitante. A jornada chagara ao fim!
Carlos Bleck e Humberto Cruz |
Da amurada do navio “Porto”, embandeirado
em arco, os aviadores contemplavam a recepção que se abria aos seus olhos
habituados às multidões descontroladas…E por todo o lado, retratos dos heróis
em pequenas bandeiras nacionais e brasileiras ficavam como a nota mais
característica deste dia de sol nas almas.
A “Baixa” transborda de corações em união
com a Pátria. Os estandartes erguidos pelo povo são cânticos de vitória,
vitória em todo o Portugal engalanado com a Cruz de Cristo abençoando o novo e
eterno Descobrimento.
No meio de tantos milhares de pessoas
vivendo uma tarde sem igual, um moço de olhos ardentes fita, longamente,
Sacadura, o piloto da Epopeia, o arquitecto do voo. Tinham nascido no mesmo dia, distanciados por vinte e dois anos; estava
um em plena mocidade, outro na força da vida. E a esmagadora impressão que lhe
produzia o momento soberbo impelia-o, vigorosamente, para os caminhos do céu.
Queria ser aviador, aviador seria!
Um mês decorreu. E, Carlos Eduardo Bleck apresentou-se ao comandante, João Luís
de Moura, na Escola Militar de Aeronáutica. Remetido o mancebo para serviço
militar, fez a inspecção médica. Apurado, “batizou-se” nas nuvens, viu o seu
sonho tomar altura!...
Exame brilhante em “Caudron G-3”. Assistem entre outros pilotos, João Luís de Moura,
Craveiro Lopes, Dias Leite, Amílcar Alvarenga e Fernando Tartaro, que em Carlos
Eduardo Bleck, encontravam desde logo uma decidida vocação para a carreira. Não
só os aviadores estavam de acordo. A Imprensa saudava-o como uma promessa,
talvez mesmo nele encontrasse já um “futuro às”.
Em suas palavras homenageadoras os
repórteres não se enganavam…
Muito além a Aviação estava na ordem do
dia. Belos voos eram
notícia. Havia como que uma competição entre as
aeronáuticas bem servidas de material ou só de gente…Voava-se com espírito
audacioso, acontecia ficarem uns com os sonhos desfeitos, outros com o projecto
realizado.
Costa Macedo e Carlos Bleck |
Portugal tinha a sua posição pioneira
definida, voar mais era, no entanto, o seu lema. Os horizontes abriam-se-lhe
como um desafio ou confirmação dos triunfos que já possuía, e bem tentavam
Carlos Eduardo Bleck, essencialmente um homem do ar.
Um
rumo o atrai – a Índia Portuguesa! Ela será a grande meta.
Com um punhado de horas de voo na sua
caderneta, sai de Alverca na avioneta “Portugal” para a jornada que sentia uma
afirmação patriótica. Passa a Melila no
primeiro dia, e sucessivamente, a Orao, Alger, Bizerta, Tunes, Tripoli,
Bengasi, Tobruk, Cairo, Gaza…Aqui o aparelho morre-lhe nas mãos numa aterragem
de emergência ao cabo de 7.300 quilómetros voados – mais de metade do percurso!
Asas partidas, sonho intacto, Bleck faz
frente ao desgosto com um voto – tornará a percorrer o mesmo céu, não
abandonará a ideia de alcançar a Índia voando solitariamente. Uma questão de
tempo…
Em Lisboa vários propósitos o assaltam,
chega a planear uma viagem Lisboa-Nova Iorque com o apoio, provável, dos
portugueses radicados nos Estados Unidos. Desapontamento, os nossos
compatriotas escudam-se com a crise…
Carlos Bleck e Gago Coutinho |
Conformado com a resposta negativa Carlos
Eduardo Bleck entrega-se a outro projecto – organiza um interessante raid:
Lisboa-Bolama-Luanda-Benguela-Luanda-Bissau-Lisboa, convidando para o
acompanhar o tenente aviador Humberto da Cruz, do “Grupo de Esquadrilha de
Aviação República”, que se sabia pretender voar para muito além da zona
limitada das “voltas de pista”. E em boa hora o fez…pela Nação, que ele, como
piloto, tão bem serviu…por ele, pela oportunidade que se lhe deparou…por mim,
pelo companheiro valoroso que, pelos céus africanos, me foi dado.
A viagem realizada na avioneta “Jorge de
Castilho” – propriedade de Bleck – decorreu com extrema regularidade,
cifrando-se em 20.160 quilómetros. Este o primeiro raid da aviação portuguesa
pois oferecera o inédito do regresso, que recordamos caloroso e oficialmente
consagrado com a entrega da Torre e Espada aos dois destemidos aviadores.
Retorna à velha ideia em 19 de Fevereiro
de 1934, precisamente seis anos decorridos sobre o dia da aterragem na Arábia…
Azáfama crescente na pista da Escola
Militar de Aeronáutica. Pelas sete horas tudo a postos para a descolagem. “E…
as rodas desprendem-se do terreno e, lentamente, vai tomando altura, virando e
aproando ao rumo de 147º…Lá em baixo avista-se ainda pontinhos brancos de
lenços que trazem o último adeus dos que ali ficaram…”
Ao
avião civil dão-lhe guarda de honra durante algum tempo – por bombordo e
estibordo – cinco aparelhos de Alverca e sete da Escola timonados pelos
saudosos Carlos Costa Macedo, Carlos Marques Magalhães, Pedro Pinheiro Corrêa,
Filipe Vieira, Melo Rodrigues, Ayala Montenegro, Avelino de Andrade e, ainda, e
felizmente entre nós, Alfredo Cintra, Humberto da Cruz, Bentes, Ciríaco da
Silva, Joaquim Baltazar, Gonzaga Pinto.
Asas em voo e em triunfo! Sete horas mais
tarde Orão anunciava-lhe o términus da primeira etapa. Deduzia ao percurso de
11.059 quilómetros, 1.050...Tinha presente as palavras que Jorge Castillo lhe
escrevera na véspera da “abalada”: …Seja feliz, consiga esse seu ideal como
justa recompensa do seu grande esforço, da sua fé e da sua grandíssima alma…
Duas semanas volvidas, a 4 de Março, aterra em Dio; no dia seguinte Goa recebe-o festivamente. O sonho estava consumado. Pela primeira vez um português voando solitariamente ligara a Metrópole à Índia. Era esta uma jornada de precioso quilate. Todo o país se associava à grande hora vivida nesse outro distante Portugal. E regressa…não pelo céu, mas pela mão da Fama! Dias de quente entusiasmo viria a encontrar…Um ano mais tarde considerava a sua carreira concluída quando em colaboração com Costa Macedo e descolando para um voo directo ao Rio de Janeiro, o trem de aterragem cedia, perigosamente.
A enorme multidão que acorrera à Granja
para se despedir dos aviadores invadiu a pista cheia de angústia. Queria
salvá-los! Bela atitude no Povo, expondo-se ao risco da explosão!
Moço e Herói ontem. Veterano glorioso hoje
rumando à saudade. A sua presença na Aviação é nos dias que decorrem um acordar
de imagens que se traduzem em História.
Homem simples, permanece fiel ao seu
retrato nos tempos em que foi ídolo. A situação não o deslumbrou. É que para lá
de quanto nos ofereceu, voando, guarda uma lembrança que muito mais o enternece
– a expedição aérea de Coutinho e Cabral, traço-de-união com a sua vida de
piloto.
Notas: Carlos Eduardo Bleck, nasceu em Dafundo em 3 de Maio de 1903 e
faleceu em 1975.
Foi o primeiro aviador civil português.
Caudron G-3 |
Voou pela primeira vez aos dezanove anos
de idade, no Grupo de Esquadrilhas de Aviação
da República, com a duração de 15 minutos. A 21 de Novembro
de 1922
foi admitido na Escola
Militar de Aviação
com o intuito de obter o estatuto de aviador civil e em 1925, conseguiu o primeiro diploma
português de aviação civil, tirado numa escola militar.
Dois anos mais tarde fez a sua primeira
viagem (Londres-Tancos-Lisboa)
a pilotar um Moth/Cirrus de 90 cavalos. Em 1928 tentou voar até à Índia Portuguesa mas um problema no motor impediu-o de
ir mais longe que o deserto da Arábia,
a metade do percurso. Nesse mesmo ano tentou fazer a travessia do Atlântico
Norte mas não obteve os apoios necessários. Fez nova tentativa em 1929 e voltou a não conseguir.
Os anos de 1930 e 1931 ficaram marcados como os anos em que
Bleck fez a ligação aérea Lisboa-Angola-Lisboa,
juntamente com o piloto Humberto da Cruz.
Em 1930 fez parte da direcção do Aeroclube
de Portugal que
fundou a primeira escola de aviação civil portuguesa.
Sozinho fez o voo de Portugal a Goa,
em 1934.
Mais tarde tornou-se fundador da Companhia de Transportes Aéreos e integrou o
Conselho Administrativo da TAP (Transportes Aéreos Portugueses).
Notas:
Recolha de informações na Revista “Mais
Alto” nº. 179 – Março
Até breve
O
amigo
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