Em
Maio de 1919 chegou ao Tejo, e acolheu-se no Centro de Aviação Naval do Bom
Sucesso, o hidroavião “N.C.4” do comandante Read, americano que acabara de
atravessar o Atlântico Norte.
Tal facto veio a impressionar fortemente
Sacadura Cabral – que acalentava já fazer a viagem aérea Lisboa-Rio de Janeiro
– e levou-o a entregar ao Ministro da Marinha um requerimento, deferido por
Conselho de Ministros que, entre o mais, dizia:
“A realização da Travessia Aérea
Lisboa-Rio de Janeiro por portugueses seria um acontecimento de resultados
fecundos, porque poderia ser o início da navegação aérea comercial entre os
dois países, a qual traria um maior estreitamento de relações que por todos os
meios convém provocar…,…
Como oficial aviador a quem os progressos
da Aviação e do País muito interessam, venho rogar a Vª. Exª. me conceda
autorização para tentar realizar esta travessia e solicitar se digne obter me
seja fornecido o auxílio necessário para esse fim.
Lisboa,
26 de Maio de 1919
Artur
de Sacadura Freire Cabral
Capitão-tenente aviador”
Entretanto Gago Coutinho anuncia já ter
conseguido o seu desiderato de adaptação dum horizonte artificial ao sextante
de Marinha, para realizar a viagem aérea ao Brasil, e ter já feito várias
observações de sua casa da Rua da Esperança e outras da Basílica da Estrela.
No ano imediato, Sacadura é encarregado de
adquirir em Inglaterra material de voo para a Aviação Naval, e traz para
Portugal, do Centro de Calshot (Southampton), a 8 de Maio, juntamente com o
Comandante Pedro Rosado e outro pessoal, dois hidroaviões bimotor “F-3,
Felixtowe.
Com um deles realizaria a 22 de Março de
1921, portanto um ano depois, a ligação aérea Lisboa-Funchal.
Acompanharam Sacadura – o brilhante
inovador das viagens aéreas em alto-mar, Gago Coutinho como navegador, Ortins
Bettencourt como 2º. Piloto e o francês Soubiran como mecânico.
Às 10 horas desse dia – que seria o ensaio
geral de uma prova memorável – o “F-3” de 350 Cv, nº. 4018, rumou em direcção à
Trafaria tomando posição face ao vento para a descolagem que teve lugar às 10
horas e 25 minutos.
A assistir, apenas os poucos camaradas que
sabiam deste projecto.
Às 10,35 passam sobre o Bugio, ponto de
partida da sua rota, seguindo a 240º de agulha, para corrigir o provável
abatimento do vento, que era leste direito.
Depois de uma viagem bonançosa, por volta
das 16,15 – quando Coutinho efectuava o seu último cálculo e verificava que
estavam a 30 milhas de Porto Santo – Ortins Bettencourt solta um formidável
grito (por todos ouvido do ruído ensurdecedor dos motores roncantes)
confirmando a boa nova que o arquipélago estava à vista.
Porto Santo foi atingido num ápice e, até
à Madeira, meia hora decorre.
Os aviadores haviam alcançado o seu
objectivo, e as suas melhores previsões tinham sido excedidas, pois tinham nos
tanques ainda gasolina para três horas de voo, o que lhes permitiria, em caso
de nevoeiro ou outra emergência, alcançar as Canárias.
A amaragem processou-se com a maior
facilidade após 7,40 horas de voo, depois de percorridos em voo directo 530
milhas (983 quilómetros).
Sacadura Cabral comenta deste modo a sua
chegada a águas funchalenses:
“Depois de poisarmos passámos pela popa do
“S. Miguel”, que se preparava para sair e cujos passageiros nos fizeram uma
grandiosa manifestação e endireitámos para a Pontinha, onde pretendia ficar
fundeado ao abrigo de possíveis temporais. Em breve fomos rodeados por inúmeros
gasolinas e barcos a remos, que formaram um cortejo triunfal que nos acompanhou
ao fundeadouro”.
Do que foi essa recepção é ainda Sacadura
Cabral, comandante da tripulação do “F. 4018”, que nos elucida, segundo relato
duma conferência feita posteriormente em Lisboa, na Sociedade de Geografia:
“Apesar de conhecer por tradição a muita
gentileza dos Madeirenses, a recepção carinhosa que nos fizeram ultrapassou a
nossa expectativa e mais uma vez lhes quero exprimir o nosso reconhecimento por
tantas amabilidades recebidas”.
“Bem gratas as recordações que conservamos
do Funchal, esse Paraíso – com a única sombra dos discursos – e de nós não se
apagará a lembrança das muitas gentilezas que nos dispensaram”.
Ainda sobre esta viagem precursora da
navegação astronómica, deve-se recordar que, durante essa caminhada, se fizeram
15 cálculos de rectas de altura e várias observações de forças e direcção de
vento, que eram aplicadas ao corrector de rumos, criado por Sacadura Cabral.
Para
dar uma ideia, embora pálida, da precisão, em todo o rigor, da navegação, basta
citar o seguinte: quando o navio “Porto” chegou ao Funchal, a tripulação do
avião foi a bordo falar com o Comandante.
Em amena conversa verificou-se uma pequena
divergência. De bordo, no alto mar, foram içadas bandeiras, anunciando ao “F-3”
que a distância de Lisboa era de 146 milhas no ponto de encontro e quando o
avião rumava à Madeira. Pelas observações de Coutinho a distância era de 151
milhas, portanto um erro de 5.
Discutido o assunto veio a apurar-se haver
concordância completa, porquanto a distância contada a bordo do hidroavião fora
feita a partir do Bugio, enquanto a do navio “Porto” era indicada pelo odómetro
que tinha sido posto na água em Cascais, depois de largarem o piloto.
Tinha sido previsto o regresso a Lisboa,
igualmente por via aérea. Em virtude do mau tempo e dos ventos contrários, foi
resolvido partir de Porto Santo.
No dia 6 de Abril, após uma tentativa
falhada ao descolar, o flutuador de bombordo tocou na água, provocando um
pequeno rombo.
O contacto com uma pequena bóia de fumo
mal soldada provocou o incêndio, eliminando completamente o intento, pois do
rescaldo apenas ficaram os motores e uma hélice (hoje exposta no Museu do Ar)
que, com a tripulação regressaram a Lisboa a bordo do contratorpedeiro
“Guadiana”, que lhes serviu de apoio, para abastecimento de óleo e gasolina.
Esta
viagem foi o prólogo da 1ª. Travessia Aérea do Atlântico Sul.
Notas:
Recolha de informação na Revista “Mais
Alto” nº. 155 e 156 – Março e Abril 1972
Até breve
O
amigo
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