terça-feira, 16 de janeiro de 2018

LIGAÇÃO AÉREA LISBOA-FUNCHAL


Em Maio de 1919 chegou ao Tejo, e acolheu-se no Centro de Aviação Naval do Bom Sucesso, o hidroavião “N.C.4” do comandante Read, americano que acabara de atravessar o Atlântico Norte.
Tal facto veio a impressionar fortemente Sacadura Cabral – que acalentava já fazer a viagem aérea Lisboa-Rio de Janeiro – e levou-o a entregar ao Ministro da Marinha um requerimento, deferido por Conselho de Ministros que, entre o mais, dizia:
“A realização da Travessia Aérea Lisboa-Rio de Janeiro por portugueses seria um acontecimento de resultados fecundos, porque poderia ser o início da navegação aérea comercial entre os dois países, a qual traria um maior estreitamento de relações que por todos os meios convém provocar…,…
Como oficial aviador a quem os progressos da Aviação e do País muito interessam, venho rogar a Vª. Exª. me conceda autorização para tentar realizar esta travessia e solicitar se digne obter me seja fornecido o auxílio necessário para esse fim.
Lisboa, 26 de Maio de 1919
Artur de Sacadura Freire Cabral
Capitão-tenente aviador”
Entretanto Gago Coutinho anuncia já ter conseguido o seu desiderato de adaptação dum horizonte artificial ao sextante de Marinha, para realizar a viagem aérea ao Brasil, e ter já feito várias observações de sua casa da Rua da Esperança e outras da Basílica da Estrela.
No ano imediato, Sacadura é encarregado de adquirir em Inglaterra material de voo para a Aviação Naval, e traz para Portugal, do Centro de Calshot (Southampton), a 8 de Maio, juntamente com o Comandante Pedro Rosado e outro pessoal, dois hidroaviões bimotor “F-3, Felixtowe.
Com um deles realizaria a 22 de Março de 1921, portanto um ano depois, a ligação aérea Lisboa-Funchal.
Acompanharam Sacadura – o brilhante inovador das viagens aéreas em alto-mar, Gago Coutinho como navegador, Ortins Bettencourt como 2º. Piloto e o francês Soubiran como mecânico.
Às 10 horas desse dia – que seria o ensaio geral de uma prova memorável – o “F-3” de 350 Cv, nº. 4018, rumou em direcção à Trafaria tomando posição face ao vento para a descolagem que teve lugar às 10 horas e 25 minutos.
A assistir, apenas os poucos camaradas que sabiam deste projecto.
Às 10,35 passam sobre o Bugio, ponto de partida da sua rota, seguindo a 240º de agulha, para corrigir o provável abatimento do vento, que era leste direito.
Depois de uma viagem bonançosa, por volta das 16,15 – quando Coutinho efectuava o seu último cálculo e verificava que estavam a 30 milhas de Porto Santo – Ortins Bettencourt solta um formidável grito (por todos ouvido do ruído ensurdecedor dos motores roncantes) confirmando a boa nova que o arquipélago estava à vista.

Porto Santo foi atingido num ápice e, até à Madeira, meia hora decorre.
Os aviadores haviam alcançado o seu objectivo, e as suas melhores previsões tinham sido excedidas, pois tinham nos tanques ainda gasolina para três horas de voo, o que lhes permitiria, em caso de nevoeiro ou outra emergência, alcançar as Canárias.
A amaragem processou-se com a maior facilidade após 7,40 horas de voo, depois de percorridos em voo directo 530 milhas (983 quilómetros).
Sacadura Cabral comenta deste modo a sua chegada a águas funchalenses:
“Depois de poisarmos passámos pela popa do “S. Miguel”, que se preparava para sair e cujos passageiros nos fizeram uma grandiosa manifestação e endireitámos para a Pontinha, onde pretendia ficar fundeado ao abrigo de possíveis temporais. Em breve fomos rodeados por inúmeros gasolinas e barcos a remos, que formaram um cortejo triunfal que nos acompanhou ao fundeadouro”.
Do que foi essa recepção é ainda Sacadura Cabral, comandante da tripulação do “F. 4018”, que nos elucida, segundo relato duma conferência feita posteriormente em Lisboa, na Sociedade de Geografia:
“Apesar de conhecer por tradição a muita gentileza dos Madeirenses, a recepção carinhosa que nos fizeram ultrapassou a nossa expectativa e mais uma vez lhes quero exprimir o nosso reconhecimento por tantas amabilidades recebidas”.
“Bem gratas as recordações que conservamos do Funchal, esse Paraíso – com a única sombra dos discursos – e de nós não se apagará a lembrança das muitas gentilezas que nos dispensaram”.
Ainda sobre esta viagem precursora da navegação astronómica, deve-se recordar que, durante essa caminhada, se fizeram 15 cálculos de rectas de altura e várias observações de forças e direcção de vento, que eram aplicadas ao corrector de rumos, criado por Sacadura Cabral.
Para dar uma ideia, embora pálida, da precisão, em todo o rigor, da navegação, basta citar o seguinte: quando o navio “Porto” chegou ao Funchal, a tripulação do avião foi a bordo falar com o Comandante.
Em amena conversa verificou-se uma pequena divergência. De bordo, no alto mar, foram içadas bandeiras, anunciando ao “F-3” que a distância de Lisboa era de 146 milhas no ponto de encontro e quando o avião rumava à Madeira. Pelas observações de Coutinho a distância era de 151 milhas, portanto um erro de 5.

Discutido o assunto veio a apurar-se haver concordância completa, porquanto a distância contada a bordo do hidroavião fora feita a partir do Bugio, enquanto a do navio “Porto” era indicada pelo odómetro que tinha sido posto na água em Cascais, depois de largarem o piloto.
Tinha sido previsto o regresso a Lisboa, igualmente por via aérea. Em virtude do mau tempo e dos ventos contrários, foi resolvido partir de Porto Santo.
No dia 6 de Abril, após uma tentativa falhada ao descolar, o flutuador de bombordo tocou na água, provocando um pequeno rombo.
O contacto com uma pequena bóia de fumo mal soldada provocou o incêndio, eliminando completamente o intento, pois do rescaldo apenas ficaram os motores e uma hélice (hoje exposta no Museu do Ar) que, com a tripulação regressaram a Lisboa a bordo do contratorpedeiro “Guadiana”, que lhes serviu de apoio, para abastecimento de óleo e gasolina.

Esta viagem foi o prólogo da 1ª. Travessia Aérea do Atlântico Sul.

Notas: Recolha de informação na Revista “Mais Alto” nº. 155 e 156 – Março e Abril 1972
           

Até breve                                                                                   
O amigo 


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