quarta-feira, 31 de maio de 2017

A ORIGEM DOS HOSPITAIS

                    
Como nasceram essas grandes metrópoles da dôr a que se chamam hospitais?
Pode dizer-se que os povos mais antigos lhes esboçaram a estrutura.
Na antiga Grécia, os Asclépion, templos do deus curador (Esculápio), serviam já para a recolha temporária de doentes.
À chegada ao templo, o doente começava o seu tratamento por um sacrifício de voto e um banho purificador. Depois fazia a cama no abaton ou no terraço a céu aberto e aí se prolongava, por vezes o seu internamento.
É de opinião generalizada e segundo as tradições orientais e as primeiras instituições bizantinas, que terá sido em redor de conventos que se estabeleceram os primeiros hospitais.Com efeito ninguém naquela época de lutas sangrentas teria a serenidade suficiente para realizar obra de assistência aos doentes e feridos; ninguém, salvo as ordens religiosas, possuía a garantia de que o respeito necessário e imposto aos homens de todas as facções originasse a possibilidade de manter em paz os doentes e assim proceder tranquilamente a cura.
A religião cobria com o seu manto venerado, a obra de misericórdia, e assim surgiram os asilos seguros, onde podiam repousar e convalescer os corpos combalidos e martirizados pelas guerras e pelas pestes, e encontrar aí o tratamento afectuoso que tanto precisavam.
Era natural que aqueles homens, a quem a visão das misérias humanas e das lutas fratricidas e a fé pura e profunda haviam impelido a abraçar as regras monásticas feitas de sacrifícios e renúncia, fossem os primeiros a contactar com os mais desfavorecidos, com os empestados e leprosos e a socorrer os feridos.
É assim que, no princípio das nações do Ocidente, se vê aparecer, a par dos estudos teológicos dos monges estudiosos, pequenos hospitais anexos aos conventos, o tesouro da antiga sabedoria, curando com a humildade, devoção, e carinho.
E tão insólito parecia, naqueles escuros e duros dias de violência e ignorância a obra generosa dos que apenas com o voto cristão, deixavam balizada a sua fé - ou até quem sabe o seu arrependimento de antigas faltas, construindo e mantendo, a sua custas, tais monumentos de caridade que ficou para sempre a eles apegada.
Assim sucedeu o primeiro hospital inglês, o de Bartolomeu o Grande, de Londres, fundado em 1123 pelo cavaleiro Rahere, no regresso dos combates da Cruzada e que ali se encontra sepultado, no silencio do seu mosteiro, hoje deserto, sob solene estátua.
Conta a lenda que, no ano de 293 A.C eclodiu em Roma uma grande epidemia, e foi enviada uma missão romana a pedir auxilio ao único local onde se podiam obter médicos competentes escola grega de Epidauro. A missão regressou, trazendo a bordo uma das serpentes sagradas usadas no Asclepeion grego; e mal o navio enfiou pelo Tibre acima, aquele emblema grego das artes de curar, rastejou silenciosamente pela borda fora, nadou para terra e aportou a ilha de S.Bartolomeu. A partir daquele momento, a peste abrandou e, no local onde a serpente tocou terra, foi mais tarde construído um hospital. Deste hospital veio, muitos anos depois, certo frade de nome Raheire, que viria a fundar em Londres o Hospital de S.Bartolomeu.E ainda hoje os turistas ali ouvem em silêncio e com atenção, a história contada pelos guias turísticos, atribuindo ao monge e guerreiro tal santidade que, por duas vezes no decurso dos séculos, num terrível incêndio e na destruição feroz de uma batalha aérea da ultima guerra mundial, que só aquele reduto, sem outra defesa além de vontade de Deus, ali ficou de pé.

Tipo de estabelecimentos assistenciais existentes em Portugal no Séc. XV
 Natureza e população-alvo

Albergarias 
Criadas originalmente para assistência aos peregrinos e demais viajantes, mas servindo também de albergue para doentes e mendigos, eram sustentadas sobretudo pelas ordens religiosas e militares, sendo algumas dotadas de pequenas enfermarias;

Desenvolveram-se com as peregrinações a Santiago de Compostela; muitas delas limitavam-se a oferecer uma simples refeição e uma enxerga aos viandantes;

Nalgumas terras, eram conhecidas como a "casa dos passantes".

Equivaliam às xenodochia dos bizantinos.
Hospitais (ou Espritais) 
"Feitos e ordenados principalmente para a cura e gasalhado dos pobres e enfermos";
No Séc. XII, o seu número era inferior ao das albergarias;
Equivaliam às nosocomia existentes em Bizâncio.

Gafarias     
Destinadas ao internamento dos gafos ou leprosos, são também designadas por leprosarias (e, mais tarde, lazaretos, termo que deriva do facto de a lepra ser então igualmente conhecida como o mal de S. Lázaro);
Já existiam no Império Romano do Oriente sob a designação de lobotrophia.
Mercearias  
Destinadas originalmente às pessoas da nobreza empobrecida ou envergonhada; em geral, funcionavam junto a capelas;
Em Bizâncio havia as gerontochia (estabelecimentos geriátricos), distintas dos simples hospícios, destinados aos pobres (ptochia).

 2. Hospícios
Pelo menos até 1498, ano da fundação da Misericórdia de Lisboa, não aparecem referências muito explícitas em relação à existência de estabelecimentos especificamente vocacionados para a assistência a prestar às crianças órfãs ou abandonadas (orphanotrophia e brephotrophia, entre os bizantinos, respectivamente).

Em todo o caso, há notícia em 1458 da fundação de um dos mais antigos recolhimentos de crianças, órfãos e enjeitados, o Hospital dos Meninos de Lisboa, por iniciativa da rainha D. Beatriz, primeira mulher do D. Afonso V cujo reinado vai de 1448 a 1481. Outra rainha, Santa Isabel, mulher de D. Dinis, havia já fundado em 1321 o Hospital de Meninos de Santarém.

Tradicionalmente, havia a roda onde as crianças enjeitadas eram abandonadas (daí o termo expostos). Primeiro, abandonadas nas igrejas e nos conventos, passaram, em Lisboa, a ficar a cargo do Hospital Real de Todos os Santos (HRTS), desde a sua criação até 1543, pelo menos.

Nesse ano, e por carta régia de 14 de Março, é recomendado à confraria da misericórdia de Lisboa que passasse a assumir explicitamente essa função. Mas em 1584 ainda existia (e continuaria a existir até ao terramoto de 1755) o criandário, ou hospício de crianças enjeitadas, distinto da albergaria ou casa dos pedintes andantes, ambos anexos ao Hospital

O número de meninos desamparados tenderá, entretanto, a aumentar com os Descobrimentos e o afluxo a Lisboa de "muitas e desvairadas gentes" bem como em consequência dos terríveis ciclos de crises cerealíferas, fomes e epidemias que devastam o país, nomeadamente desde de meados do Séc. XIV.

O problema das crianças abandonadas ter-se-á agravado no Século XVIII, a tal ponto que a Real Casa dos Expostos (sita, desde 1768, na antiga Casa Professa de São Roque, confiscada aos jesuítas) deixou de ter capacidade de resposta. A mesa da misericórdia de Lisboa ver-se-á assim obrigada a criar mais rodas nos arrabaldes da cidade (Ribeiro, 1902; Robalo, 1987).

Com o Antigo Regime — que vai grosso modo de 1620 a 1807 — , e na sequência das ideias filantrópicas do iluminismo bem como do imperativo de um maior controlo da déviance social, surgirão entretanto outras instituições como os orfanatos e os reformatórios de que a Casa Pia de Lisboa, fundada em 1780 pelo intendente Pina Manique, é talvez o exemplo mais paradigmático. Originalmente vocacionada para recolher mendigos, dedicar-se-á posteriormente ao acolhimento, educação e reinserção de jovens pobres ou sem família.

A Casa da Roda será formalmente instituída pela rainha D. Maria I, em 1783, em diversas vilas e cidades do reino com o intuito explícito de prevenir os infanticídios que na época eram uma prática frequente.

Novo tipo de instituição, o reformatório não será apenas um produto do "filantropismo iluminista" (Miguel, 1981). É também porventura — e salvo as devidas proporções e o contexto histórico — a versão portuguesa da workhouse inglesa e do hôpital génerale francês, criados no Séc. XVII para controlar as populações perigosas e recuperá-las como mão-de-obra disciplinada para as primeiras manufacturas que se sucedem à lenta desagregação do regime das corporações e que constituirão um passo fundamental no processo de desenvolvimento do capitalismo na Europa ocidental.

Quanto ao asilo, sucedâneo do hospício medieval, é sobretudo uma criação do Século XIX (tal como o manicómio, o sanatório e a maternidade), e a ele está indissociavelmente ligado o nome da rainha D. Maria I, de cognome a pia (1819-1853) que, por decreto de 6 de Julho de 1835, cria o Conselho Geral de Beneficência. A esta iniciativa seguir-se-ão uma série de medidas relativas à mendicidade, incluindo a criação de albergues nocturnos (Neto, 1981).
O manicómio é igualmente uma criação do liberalismo, na sequência das ideias progressistas da revolução francesa e da discriminalização da doença mental.
Tal como noutros países da Europa, e na esteira de homens como Ph. Pinel, surgem com o triunfo das ideias liberais as primeiras denúncias da condição infra-humana em que viviam os doentes mentais em Portugal ("doidos, lunáticos, alienados", como eram então rotulados).
De entre os médicos destaca-se, entre outros, o nome de C. Bizarro (1805-1860) que, desde 1835, vinha denunciando a cruel situação em que vivem os doentes, nomeadamente do sexo feminino, na Enfermaria de S. João de Deus do Hospital de S.José:
"Doidas nuas e desgrenhadas, entregues a todos os seus desvarios, gritando e gesticulando, encerradas às vezes num cubículo escuro e infecto onde mal podem obter um feixe de palha em que possam revolver-se; um local de todo apertadíssimo, com escassa luz, imprópria ventilação, e nele jazendo perto de 150 infelizes alienados com o diminuto número de três empregadas, que tantas são as destinadas ao seus serviço" (citado por Costa, 1986).
Só em  1848 (!) é que será criado, entre nós, o  primeiro "estabelecimento especializado" no internamento de doentes mentais: O manicómio de Rilhafolhes, em Lisboa.

Esta iniciativa pode concretizar-se graças ao legado de um benemérito. Entretanto, alguns anos depois, Rilhafolhes albergava já mais de meio milhar de doentes. Mais tarde, será seu director o médico Miguel Bombarda (1851-1910), o qual além de ampliar e modernizar o estabelecimento, lutou vigorosamente contra os métodos repressivos então em uso (v.g., o "babeiro de cola", a "coleira", o "berço-prisão", o "colete de forças"). Em 1948, o estabelecimento passou a chamar-se Hospital Psiquiátrico Miguel Bombarda.

Albergarias
Quanto às albergarias (tal como as gafarias), sabe-se que a sua existência é anterior à própria fundação da nacionalidade. Tenderão entretanto a desaparecer entre nós, embora mais lentamente do que no resto da Europa, a partir do fim da Idade Média, com o progressivo declínio das peregrinações (e, no caso das gafarias, com a irreversível regressão da lepra).

Grande parte das albergarias situavam-se junto a mosteiros e igrejas, povoações e estradas mais importantes, nomeadamente ao longo do caminho de Santiago, e em particular a norte do Mondego.

Às primeiras rainhas atribui-se igualmente a fundação de diversas albergarias, como, por exemplo, aquela que terá dado origem ao toponónimo Albergaria-a-Velha, criada em 1120 por Dona Teresa, mãe do primeiro rei de Portugal. Ou a de Chaves, mandada construir por D. Mafalda.
Os primeiros reis de Portugal também se preocuparam com a manutenção e a extensão da rede de albergarias — caso de D. Sancho I que no seu testamento de 1209 deixa legados, em dinheiro, a diversos estabelecimentos do género existentes no centro e norte do país.
Como diz o historiador Veríssimo Serrão (1990, vol. I. 221), "falta um mapa global para reconstituir esses marcos de cobertura viática, mas para certas ordens há elementos precisos. Assim, no que respeita aos mosteiros beneditinos que ficavam a norte do Mondego, possuíam albergues: uns, da invocação de Claraval, como Maceira Dão, Lamego, Sever e Tarouca; e outros, ligados à regra de Cister, como Moimenta, Tabosa, Arouca e Bouças".

Correia (1938) situa as principais albergarias sobretudo ao longo das antigas estradas romanas, tal como de resto uma boa parte dos outros estabelecimentos de beneficência. Na mesma localidade, podiam coexistir, aliás, diferentes tipos de estabelecimentos: Albergarias, Mercearias, Gafarias, Hospitais e Hospícios, para além dos Conventos. De qualquer modo, a sua concentração é sobretudo ao longo da rede viária romana ou de outras vias de comunicação utilizadas pelos peregrinos que, de França, Espanha e Portugal, demandavam Santiago de Compostela. Essa concentração era mais evidente em troços como:

Vila Real de Santo António/Mértola/Beja/Alcácer do Sal/Setúbal
 Beja/Évora/Estremoz/Arronches/Badajoz
 Lisboa/Santarém/Coimbra/Porto
 Porto/Braga/Santiago de Compostela
 Alcântara (Espanha)/Idanha-A-Nova/Guarda/Penafiel/Braga/Santiago

As peregrinações a Santiago de Compostela tiveram o seu auge nos Séculos XI e XII. Outras albergarias, a sul do Mondego e sobretudo do Tejo, como as de Lisboa, Setúbal, Alvito, Évora, Estremoz, Vila Viçosa, Portalegre, etc. estarão porventura mais ligadas à Reconquista e ao movimento dos cruzados.

Na época em que se iniciou a construção do Hospital Real de Todos os Santos (1492) existiam em Lisboa pelo menos treze albergarias, além de quatro gafarias e quarenta e três pequenos hospitais. Em todo o reino, existiriam 37 albergarias, 32 hospitais, 66 gafarias e 16 mercearias (Correia, 1938. 7).

Hospital de São João ( Porto)
Com o declínio das peregrinações, as primitivas albergarias tenderão a converter-se em (e a chamar-se) espritais ou hospitais  ou simultaneamente albergarias e hospitais (caso do Porto) para acolhimento de enfermos pobres (Basto, 1934).
Hospital Santa Maria (Lisboa)




                 














Por: Aníbal de Oliveira


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