9 de Fevereiro de 1928. Carlos Bleck vai partir para a sua primeira grande viagem a solo rumo à Índia aos comandos do seu DH60X Cirrus recentemente trazido de Londres onde fora adquirido.
Dois detalhes importantes: aquilo que parece ser a estrela de David (símbolo judaico) colado sobre o capot do motor não é mais que o emblema da De Havilland; a bandeira com a Cruz de Cristo está bem visível junto de um dos montantes das asas, tal como prometido em 1922 após a viagem de Gago Coutinho e Sacadura Cabral: "Levar através do mundo a Cruz de Cristo nas asas de um avião". Promessa cumprida.
1931. Pausa em Bolama, Guiné, a caminho de Angola levando como companheiro de viagem o tenente Humberto da Cruz, outra figura grande da História da Aviação em Portugal. A permanência em Bolama acabou por ser mais longa que o esperado devido à necessidade de fazer manutenção ao motor Gipsy do DH60G dos avidores portugueses. Carlos Bleck e Humberto da Cruz aparecem em primeiro plano na fotografia com os seus fatos de voo e capacete colonial (Humberto da Cruz). Este capacete era muito útil durante o voo para proteger os pilotos do intenso sol africano uma vez que o avião era aberto e não oferecia qualquer protecção solar.
A caminho da Angola, o "Jorge de Castilho" de
Carlos Bleck / Humberto da Cruz aterrou em Bolama, na Guiné, a 3 de Janeiro de
1931, mas antes ainda sobrevoou a esquadrilha de onze hidroaviões Savoia
Marchetti SM55x de Italo Balbo que ali estava fundeada a aguardar a partida
para o Rio de Janeiro.
Os aviadores portugueses viriam a ser recebidos nessa
tarde a bordo do navio chefe da esquadra que dava apoio aos hidroaviões
italianos onde tomaram uma taça de champanhe. À noite, no Palácio do
Governador, Cruz e Bleck jantaram com Italo Balbo que os convidou a assistirem
à partida da sua esquadrilha que teria lugar na noite de 4 para 5 de Janeiro.
Isso implicava a perda de um dia na viagem rumo a Angola mas aquela era uma
oportunidade que os portugueses não podiam perder e assim aconteceu.
A frota de Italo Balbo chegaria ao Rio de Janeiro a 15 de
Janeiro de 1931. Os onze hidroaviões seriam depois adquiridos pelo governo
brasileiro sendo o pagamento feito em sacos de café.
Janeiro de 1931. Em Abidjan não havia hangar e foi necessário
encontrar uma espécie de gruta formada por vegetação tropical para proteger o
avião em caso de tempestade. Choveu torrencialmente e os ventos chegaram aos
150 km/hora mas milagrosamente os estragos resumiram-se à destruição do leme de
profundidade esquerdo. Carlos Bleck e Humberto da Cruz conseguiram que um
artesão local lhes fizesse uma réplica em Avodiré, uma madeira muito leve e
resistente após o que revestiram a estrutura com uma espécie de popeline
pintada com tinta "Duco" normalmente utilizada na reparação de
automóveis.
Quatro dias depois a peça estava pronta mas era necessário
fazer um voo de teste para ver se funcionava como devia. Humberto da Cruz
esvaziou os tanques de combustível para prevenir o risco de incêndio em caso de
acidente e deixou apenas o mínimo para dar duas ou três voltas ao campo. Quando
se preparava para descolar sentiu que alguém se agarrava furiosamente às asas
do avião. Era Carlos Bleck, completamente transtornado, que gritava em alto e
bom som:
"Começámos isto juntos e se tudo correr mal acabaremos
também juntos!"
Dito isto saltou para o seu lugar e foi também fazer o voo
de teste. Tudo correu bem e aterraram pouco depois sem incidentes. Quer dizer,
tirando um pequeno pormenor: durante o voo o agente local da Shell viu as latas
com a gasolina retirada do avião arrumadas a um canto e vendeu-as a dois
automobilistas aflitos. Sem dar por isso (dizia ele...) vendeu também duas
latas de água que estavam junto e os ditos automobilistas meteram tudo nos
respectivos tanques. Resultado: ambos os carros avariaram nas imediações do
campo dando origem a uma cena de gritaria e ameaças nunca antes vista pelos
portugueses
18 de Janeiro de 1931. Carlos Bleck e Humberto da Cruz
descolaram manhã cedo de Ponta Negra, no Zaire, e seguiram a linha de costa
voando baixinho sobre as praias de Angola para evitarem as nuvens que se
formavam para o interior ameaçando chuva e dificultando a visibilidade.
Passaram Ambriz e Ambrizete epouco depois sobrevoaram a baía do Bengo em
direcção ao campo de aviação de Luanda. Apesar deste não ter qualquer
sinalização - era apenas um campo mais ou menos plano sem obstáculos visíveis -
lá conseguiram aterrar em segurança pondo assim ponto final na acidentada
viagem de vinte dias que os trouxera desde Lisboa.
À sua chegada foram recebidos em apoteose pelas autoridades
locais e uma multidão de curiosos que os aplaudia e aclamava com vivas a
Portugal e ao Império! Soltaram-se foguetes e morteiros, choveram beijos e
abraços. Uma festa!
Só depois constataram que no campo de aviação não existia
qualquer abrigo para proteger o avião das chuvadas intensas que eram frequentes
naquela época. Felizmente apareceu o capitão de uma Companhia indígena
aquartelada ali perto que improvisou uma cobertura com tendas de campanha e os
dois aviadores lá seguiram para o Palácio do Governo onde o governador,
Almirante José Dionísio de Sousa e Faro, os aguardava para uma cerimónia
oficiade boas vindas com banda de música e tudo. Cantou-se o hino, repetiram-se
os vivas a Portugal e dali os heróis seguiram para a Câmara Municipal para nova
homenagem cheia de fervor patriótico.
Exaustos, Bleck e Humberto da Cruz foram finalmente levados
para a "messe" Militar onde ficariam alojados. Só que quando lá
chegaram alguém lhes disse que... não havia camas(!) e tiveram que ir à procura
de um quarto num qualquer hotel. Conseguiram. Tiveram sorte.
Ah, abençoado país este que se não existisse tinha que ser
inventado.
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4 de Março de 1934. O CS-AAI de Carlos Bleck acaba de
aterrar em Diu e o valente piloto é recebido no campo de aviação pelo
Governador Feyo Folque (de uniforme branco), um veterano que já na altura
contava com 25 anos de serviço naquele território utramarino. Já muito perto do
destino final, Goa, Carlos Bleck aceita o convite de Feyo Folque para pernoitar
no Palácio do Governo mas antes disso ainda vai parar numa igreja de Diu para
dar graças pelo sucesso da aventura.
Carlos Bleck é recebido em apoteose pelo povo e autoridades
de Goa em reconhecimento pelo seu feito heróico de 1934 quando realizou sozinho
a ligação aérea entre Lisboa e a Índia Portuguesa
José Correia Guedes
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