Escolhido por Oliveira Salazar para suceder a Óscar Carmona na Presidência da República, Craveiro Lopes apenas cumprirá um mandato. Militar, como o seu antecessor, as suas relações com Salazar tornar-se-ão difíceis ao longo do tempo. Os seus contactos com sectores do regime críticos de Salazar e com membros da oposição conduzirão ao seu afastamento nas eleições presidenciais de 1958.
Ciente de que os poderes do chefe do Estado permitiam nomear e demitir o presidente do Conselho, Salazar não quis arriscar. Craveiro Lopes distanciar-se-ia cada vez mais do regime, vindo a estar envolvido na "Abrilada" de 1961 e a proferir inequívocas críticas à política colonial portuguesa.
Craveiro Lopes nasce em Lisboa, no dia 12 de Abril de 1894, filho de João Carlos Craveiro Lopes e de Júlia Clotilde Cristiano Craveiro Lopes. O seu pai, que servira no Corpo Expedicionário Português durante a I Guerra Mundial, e que antes estivera envolvido no "movimento das espadas", que levou ao poder o general Pimenta de Castro, aderiu posteriormente à revolução de 28 de Maio de 1926, vindo a ser nomeado Governador-Geral da Índia e comandante da sua 1ª Região Militar.
Seguindo a tradição familiar paterna (bisneto do general Francisco Xavier Lopes, neto do general Francisco Higino Craveiro Lopes), entra para a carreira militar, ingressando no Colégio Militar (1904). Frequenta ainda a Escola Politécnica de Lisboa e, ainda em 1911, alista-se como voluntário no Regimento de Cavalaria n.º 2. A experiência nesta unidade militar leva-o a frequentar o Curso de Cavalaria na Escola do Exército.
Em Dezembro de 1918, casa, em Lourenço Marques, com Berta da Costa Ribeiro Arthur, de quem tem 4 filhos.
Em 1915 é promovido a alferes de Cavalaria e mobilizado para as campanhas militares da Grande Guerra em Moçambique, recebendo ainda nesse ano um louvor de campanha pelo seu comportamento no combate de Riwambo. Dois anos depois é promovido a tenente, após regressar a Portugal. Volta a Moçambique, em 1918, já como oficial da aeronáutica militar, vindo a ser distinguido com um louvor pelo seu comportamento no combate de Newala, e com a medalha comemorativa das Campanhas do Exército Português em Moçambique. Em 1919 é distinguido com a Cruz de Guerra de 1ª Classe, voltando a Portugal no ano seguinte. Em 1923 é feito cavaleiro da Ordem Militar da Torre e Espada, do Valor, Lealdade e Mérito.
Será sucessivamente promovido a capitão-piloto aviador (1922), major (1930), tenente-coronel (1939), coronel (1942), brigadeiro (1947), general (1949) e marechal (1958).
Na década de 20, a sua atenção centra-se na aeronáutica militar. Depois de frequentar um curso de piloto militar na Escola de Aviação de Chartres, em 1917 (no interregno da sua passagem por Moçambique), ocupa o cargo de instrutor de pilotagem na Escola Militar (1922) chegando a ser director da Divisão de Instrução da Escola Militar da Aeronáutica, cargo que ocupará em diversas ocasiões, mas por curtos períodos de tempo. A fase final da I República é ocupada com os seus afazeres de instrução militar, chegando a ser louvado pelo ministro da Guerra, António Germano Guedes Ribeiro de Carvalho, pelos trabalhos publicados no âmbito do curso de observadores aeronáuticos, vindo a sofrer em 1925 um grave acidente de aviação, numa viagem a Espanha, do qual sai com ferimentos.
Aderindo desde o início ao movimento do 28 de Maio, é, ainda durante o ano de 1926, incorporado na Aeronáutica, arma recente das Forças Armadas Portuguesas, recebendo em 1927 novo louvor, por "serviços prestados à Pátria e República".
Depois de exercer cargos na administração colonial (Estado da Índia), regressa a Portugal já no final da década de 30 e ao exercício de cargos militares. Em Agosto de 1938 é nomeado comandante da Base Aérea de Tancos, cargo que ocupa até Fevereiro de 1939, já com a patente de tenente-coronel. Em 1941 tornou-se comandante-geral da Aeronáutica.
Em 1943, frequenta com sucesso o curso de Altos Comandos, passando posteriormente a ocupar o cargo de professor no Instituto de Altos Estudos Militares. É já nesta condição que se desloca com o general Costa Macedo aos Estados Unidos da América, numa visita de dois meses onde teve oportunidade de observar diversas instalações militares e industriais, em plena II Guerra Mundial.
Em Novembro de 1946 é nomeado comandante da Base Aérea das Lajes, nos Açores, onde fica até junho de 1947.
Logo após o 28 de Maio de 1926, aceita ser nomeado Presidente da Câmara Municipal de Sintra.
Será já como major que Craveiro Lopes se envolve na sua primeira experiência política ao nível da administração colonial. Um ano depois de ser colocado na Índia, passa a exercer o cargo de chefe da repartição do Gabinete do Governador-Geral da Índia, em 1930, sendo chamado, três anos depois, para ser o responsável pelo próprio Gabinete, cargo que voltará a ocupar em finais de 1936. O seu bom desempenho nestas funções permite-lhe a nomeação como governador interino do distrito de Damão, em 1934, tendo também sido Presidente da Câmara Municipal de Goa. Ainda no mesmo ano, será confirmado como governador efectivo com as atribuições de intendente. Dois anos volvidos, em 1936, é convidado para o cargo de Governador-Geral da Índia, funções que assume a 31 de Março.
Regressado em 1939 à metrópole, Craveiro Lopes é nomeado, em 1944, comandante-geral da Legião Portuguesa, cargo que ocupa até 1950. A sua ascensão política dá-se no âmbito de uma remodelação dos principais comandos militares, levada a cabo pelo ministro da Guerra, Santos Costa, no contexto da preparação do país para o período do pós-guerra.
Em 1945, Craveiro Lopes é eleito deputado à Assembleia Nacional, pelo distrito de Coimbra, lugar que volta a ocupar na legislatura seguinte, depois de 1949.
A morte do general Óscar Carmona, em 18 de Abril de 1951, coloca pela primeira vez ao regime salazarista o problema real da escolha de um candidato presidencial. A tarefa afigura-se difícil, uma vez que o general Carmona se tornara, durante 25 anos de exercício presidencial, uma figura geradora de equilíbrios entre as diferentes forças políticas do regime salazarista.
Nenhuma figura se apresentava como consensual, com as diversas correntes do regime com dificuldade em encontrar um nome que fosse passível de aceitação por todos. Salazar acaba por seguir a sugestão de Luís Deslandes, um militar próximo de Santos Costa, ministro da Guerra, e convida Craveiro Lopes a assumir o cargo de Presidente da República.
Na reunião da Comissão Central da União Nacional de 1 de Junho de 1951, o nome do general Craveiro Lopes acaba por ser definitivamente validado como candidato pelo Estado Novo à Chefia do Estado.
A oposição democrática, por seu lado, decide avançar, a 3 de Junho, com o nome do almirante Manuel Carlos Quintão Meireles. Nesse mesmo dia, o Partido Comunista Português apresenta o Professor Ruy Luís Gomes como candidato.
Face ao refluxo da oposição, crescentemente dividida desde a candidatura do general Norton de Matos às eleições presidenciais de 1949, o regime acaba por sair beneficiado. Ruy Luís Gomes é afastado pelo Conselho de Estado e Quintão Meireles retira a sua candidatura devido à ausência de condições de isenção e seriedade do acto eleitoral.
A campanha de Craveiro Lopes termina com dois grandes comícios no Porto e em Lisboa. O acto eleitoral realiza-se no dia 22 de Julho de 1951, sendo Craveiro Lopes eleito, sem oposição, com cerca de 80% dos votos.
Craveiro Lopes é investido no cargo de Presidente da República em cerimónia realizada na Assembleia Nacional, no dia 9 de Agosto de 1951.
O seu mandato inicia-se num clima de alguma instabilidade dentro do regime. A morte de Carmona abrira um campo de batalha mais aberto entre os diversos sectores do regime, com especial destaque para a luta entre as alas conservadora e moderada do regime. Se a eleição de Craveiro Lopes parecia ser uma solução de compromisso, até pelo seu descomprometimento, a batalha principal entre os dois campos dá-se no III Congresso da União Nacional, em Coimbra, a 22 de Novembro. Nessa ocasião, a ala mais conservadora coloca novamente a questão do regime, possibilidade que é simultaneamente negada, no próprio congresso por Marcelo Caetano (representando a ala reformista), e pelo Presidente da República, numa cerimónia pública no Porto. Este momento marca o início de uma aproximação entre Marcelo Caetano e o Presidente da República, que se manterá durante todo o seu mandato.
Craveiro Lopes, afastando-se progressivamente do ministro da Defesa, Santos Costa, torna-se o ponto de referência do reformismo no interior das Forças Armadas, também elas impulsionadas pela adesão de Portugal à Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN / NATO), com a formação de novos quadros, que pelo seu contacto com a realidade exterior, preconizam uma maior independência da instituição militar relativamente ao poder político. Cria-se assim um eixo "marcelista-craveirista" no interior da ala reformista do regime, com o Presidente da República a representar a sua componente militar.
Durante o seu mandato, recebe várias personalidades estrangeiras de visita a Portugal, como o comandante supremo da OTAN / NATO, general Ridgway, em plena "Guerra-fria" (1952), ou o general Papagos, primeiro-ministro grego (1954). Em 1955, acolhe o presidente do Brasil, João Café Filho, a rainha Juliana e o príncipe da Holanda, voltando a receber, em 1956, o recém-eleito presidente do Brasil, Juscelino Kubitschek de Oliveira. No ano seguinte, acolhe o general Norstad e o presidente do Paquistão, Iskander Mirza, bem como a rainha Isabel II, de Inglaterra. A visita da soberana inglesa tem um enorme impacto no país, sendo das que mais prestígio acrescenta à sua actividade enquanto Presidente da República.
Para além destes acontecimentos, preside também à inauguração de reuniões políticas do regime (III e IV Congressos da União Nacional) e à abertura da VI e da VII Legislatura da Assembleia Nacional (1953 e 1957). Na linha do seu antecessor, procede igualmente à inauguração de comunicações radiotelegráficas e linhas de telefone entre Portugal e as suas colónias e de obras públicas.
Promove ainda visitas a várias regiões do litoral e interior do país. Setúbal, Porto, Évora, Alcoentre (todas em 1952), Guimarães (1953), Braga (1956) e os Arquipélagos da Madeira (1955) e dos Açores (1957) são algumas das zonas percorridas por Craveiro Lopes. Também não esquece as colónias, visitando São Tomé e Príncipe, Angola (1954), Guiné, Cabo Verde (1955) e Moçambique (1956).
Durante os 7 anos em que ocupa a Presidência da República, desloca-se por três vezes ao estrangeiro: Espanha (1953), Inglaterra (1955) e Brasil (1957).
As ligações que Craveiro Lopes mantém com os marcelistas, com os sectores militares opostos ao ministro da Guerra, Santos Costa, e com a oposição levam o regime a decidir a sua não reeleição em Abril de 1958. Os contactos para a escolha de um novo candidato multiplicam-se e de entre os nomes propostos emerge a figura de Américo Tomás, ministro da Marinha desde 1944 e personalidade fiel ao regime. Salazar apresenta esse nome à Comissão Central da União Nacional e no encontro que mantém com Craveiro Lopes, a 26 de Abril de 1958, informa-o apenas de que existem resistências à sua reeleição, mas que a decisão final pertence à União Nacional. Craveiro Lopes, apesar das dificuldades, confia que a última palavra será dada por Salazar, que julga favorável à sua recondução no cargo. A decisão surge no dia 1 de Maio e Salazar comunica por carta a Craveiro Lopes que o candidato da União Nacional às eleições presidenciais de 1958 é Américo Tomás. A notícia apanha completamente de surpresa o ainda Presidente. Em Julho de 1958, Berta Craveiro Lopes sofre um acidente vascular cerebral, vindo a falecer no Palácio de Belém: o Presidente da República atribui o desfecho trágico à notícia da sua não recondução no cargo. No entanto, e apesar de profundamente desiludido, Craveiro Lopes, enquanto Presidente da República, mantém a lealdade ao chefe do Governo, dando-lhe conta das movimentações militares destinadas a adiar as eleições presidenciais, a reconsiderar a opção do regime para as mesmas, e a exigir a demissão do ministro da Defesa, Santos Costa. É com este apoio que Salazar acaba por jogar na remodelação ministerial que se segue à tomada de posse de Américo Tomás, com as saídas do governo de Santos Costa, e do ministro da Presidência, Marcelo Caetano, e com a nomeação para a pasta da Defesa de Botelho Moniz, militar capaz de restabelecer o equilíbrio na instituição militar.
O seu ressentimento em relação a Salazar e a certas figuras do regime será no entanto, até ao fim da sua vida, profundo e irremediável.
Após a eleição de Américo Tomás para a Presidência, em 1958, Craveiro Lopes é, em Novembro desse ano, promovido a marechal.
Apesar da promoção, torna-se progressivamente crítico do regime. Logo em 1959, alguns militares que lhe são próximos, participam activamente no "golpe da Sé", movimento militar revolucionário, promovido por oficiais ligados a Humberto Delgado, desmantelado pela Polícia Internacional e de Defesa do Estado (PIDE). Esta mesma polícia não deixará de o manter sob apertada vigilância, controlando todos os seus movimentos até ao final da sua vida. É com total envolvimento que o vamos encontrar ligado à chamada "Abrilada" de 1961 ("golpe de Botelho Moniz"). Craveiro Lopes é um dos militares presentes no plenário dos comandantes militares, na Cova da Moura, convocado por Botelho Moniz. O plano delineado previa que Craveiro Lopes voltasse a ocupar a chefia do Estado, e que Marcelo Caetano pudesse vir a tornar-se chefe do Governo. Considerando a situação irremediavelmente perdida, e perante a desistência dos outros implicados na conspiração, o marechal é um dos poucos que defende a desobediência e o confronto militar com as forças fiéis ao regime.
Pouco tempo depois, desloca-se ao ultramar, a fim de visitar os seus filhos, que aí se encontravam, Nuno em Moçambique, e João em Angola. Em 1963 sofre um primeiro ataque cardíaco, logo no início do ano, voltando seguidamente a Angola, onde fica durante cerca de três meses, no sentido de consolidar a sua recuperação.
As suas últimas intervenções com peso político dão-se em 1963: o prefácio que aceita fazer ao opúsculo da autoria de Manuel José Homem de Mello Portugal o Ultramar e o Futuro, no qual defende a necessidade de se encontrar uma "solução verdadeiramente nacional" e promover uma "livre discussão", para o que uma maior liberdade de imprensa constituía factor fundamental; a entrevista que concede, meses depois, ao Diário de Lisboa, publicada na edição de 10 de Agosto, onde leva as suas críticas mais longe, defendendo a livre discussão dos principais problemas do país, "a evolução gradual do regime", a abolição da censura" e a "liberdade de expressão e discussão", apelando ainda à "coragem" e ao "bom senso", no âmbito da política ultramarina, a fim de que se reconheçam "as realidades da hora presente".
Vem a falecer, em 2 de Setembro de 1964, vítima de novo ataque cardíaco, em sua casa, na Avenida de Roma, em Lisboa. Tendo sido organizado um funeral de Estado, como era devido, não foi decretado luto nacional, e, ao contrário do habitual, o ministério da Defesa não se disponibilizou para suportar os custos do funeral.
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